terça-feira, 19 de julho de 2011

O Cenário de Campanha Ideal

Esses dias eu estava pensando sobre os cenários de campanha prontos. Para quem não sabe, um cenário de campanha é o mundo fictício no qual se passam as aventuras de uma campanha de RPG e onde vivem as personagens do jogo. Todos nós rpgistas de longa data sabemos que ninguém precisa de um cenário de campanha pronto para se criar uma boa campanha de RPG; qualquer mestre de jogo pode ir desenvolvendo seu próprio cenário ao longo da campanha, conforme as aventuras vão ocorrendo, sem muita dor de cabeça.

Apesar disso, novos cenários de campanha prontos vivem pipocando por aí. Esses cenários prontos costumam atrair legiões de fãs, e consequentemente tornam-se comercialmente relevantes e uma importante fonte de renda para suas editoras. O resultado disso é mais e mais material sendo lançado para o cenário, normalmente em forma de aventuras e livros que descrevem locais específicos daquele mundo.

Mas uma hora ou outra, não há mais nenhum local a ser descrito, e então o mais terrível acontece: os editores decidem fazer o cenário evoluir no tempo! Para mim, esse é quase sempre o pior erro que se pode cometer com um cenário pronto.

O problema é que muitas vezes você se apega ao cenário por esta ou aquela característica, e aí conforme os materiais publicados avançam a linha de tempo, justamente aquela característica que você gostava deixa de existir! E o pior é que nem sempre o que você curte é muito popular entre os outros fãs do cenário, e aí é quase certo que vai ser a primeira coisa a ser alterada. Mais chato ainda é quando as alterações oficiais vão contra algo que aconteceu na sua campanha: como lidar com a morte do rei e a queda do império e todas as imensas repercussões disso, se uma das personagens dos seus jogadores usurpou o trono já faz umas 10 sessões?

Há quem goste desse tipo de abordagem para os seus cenários, deixando que os editores decidam como o mundo vai evoluir, claro. Mas eu prefiro deixar que o meu grupo de jogo defina como e quando o cenário sofrerá mudanças radicais, se é que elas acontecerão.

Para mim, o cenário pronto ideal é permanentemente estático no tempo. O livro básico descreve um determinado momento do mundo de campanha, com um bom background e vários ganchos e possibilidades de aventuras, e para por aí. Material adicional apenas descreve áreas ainda não cobertas em detalhes, e as aventuras prontas são escritas de forma a poderem ocorrer em qualquer momento (isso é, a relação delas com o cenário não é temporal, mas sim local), e preferencialmente com finais abertos o suficiente para que não sejam necessárias mudanças radicais somente porque aquela aventura foi escrita. Assim, é dada ao fã do cenário a possibilidade de não utilizar determinada aventura e ainda assim permanecer fiel ao cenário oficial.

Não são as publicações oficiais que vão evoluir temporalmente o cenário, mas sim as sessões da campanha de cada um. E cada campanha irá evoluir de forma diferente, de acordo com os gostos pessoais de cada grupo.

Pode parecer inviável, alguns vão dizer que a editora iria perder dinheiro pois não poderia lançar muitos livros, mas com um mundo inteiro a ser descrito, com centenas de locais nos quais situar aventuras, fonte para novos materiais a serem lançados não faltaria.

Afinal, porque criar mais um “novo-cataclisma-mágico-matador-de-deuses-destruidor-de-impérios-seguido-por-invasão-demoníaca” se ainda não foram esgotadas todas as possibilidades de aventura naquele mesmo mundinho original que atraiu o interesse de tantos fãs?

11 comentários:

  1. "Afinal, porque criar mais um “novo-cataclisma-mágico-matador-de-deuses-destruidor-de-impérios-seguido-por-invasão-demoníaca” se ainda não foram esgotadas todas as possibilidades de aventura naquele mesmo mundinho original que atraiu o interesse de tantos fãs?"

    Porque chega um ponto onde a complexidade do cenário se torna grande demais, o que começa a afastar possíveis novos fãs. Esse é o tipo de reclamação que se ouve muito sobre Forgotten e ocasionalmente, cenários como Dragonlance.
    Acontece a mesma coisa nos quadrinhos, de tempos em tempos personagens sofrem um reboot/atualização (acontece tanto na DC quanto na Marvel, o que varia é só o quão claro isso é feito) para tentar tornar a coisa toda mais simples e permitir que novos fãs comecem a acompanhar.
    Uma possibilidade de manter os fãs interessados seria quebrar o cenário em épocas (como foi feito com Dragonlance na 3e), publicando livros diferentes para cada era. Entretanto, talvez isso não seja comercialmente viável (por criar um número grande de linhas comerciais paralelas?), já que parece ser uma decisão rara entre as editoras.

    ResponderExcluir
  2. Olha, bati palmas quando li o terceiro parágrafo. Pensei "olhe! Alguém disse tudo o que estava pensando!". Acho que um cenário ideal deve, além de ser estático no tempo, ter possibilidade de expansão. O cenário deve ser descrito de forma que os fãs não se sintam obrigados a comprar todos os suplementos, e sim que se sintam capazes de decidir se querem ou não ter informações mais detalhadas dos locais em que forem ambientar a campanha. E para que materiais não parem de ser produzidos, é sempre interessante que seja possível expandir o cenário "para algum lado" quando aquela mesma região clássica tenha sido totalmente descrita.

    ResponderExcluir
  3. Olá Corvus, grande post. Me motivou a escrever algumas palavras breves dobre o tema no meu blog. Um grande abraço.

    ResponderExcluir
  4. @Kimble: "Porque chega um ponto onde a complexidade do cenário se torna grande demais, o que começa a afastar possíveis novos fãs. Esse é o tipo de reclamação que se ouve muito sobre Forgotten e ocasionalmente, cenários como Dragonlance."

    Só que normalmente esta complexidade excessiva é criada por evoluções temporais no cenário (arcos de histórias, eventos, etc) e raramente por simples descrição geográfica. E pior, os "cataclismos renovadores" quase nunca tornam o cenário mais simples, muito pelo contrário, costumam tornar tudo ainda mais confuso.

    ResponderExcluir
  5. Muito boa essa, concordo inteiramente!! Eu realmente não consigo entender essa tal de "fidelidade" ao material oficial. Sempre que eu leio sobre isso me vem a mente a imagem de um fiscal medieval com um oclinhos meia lua e uma prancheta com uma pena percorrendo o cenário em busca de irregularidades. Já tenho uns 17 anos de RPG e acho que nunca peguei um cenário que eu não tenha virado todo de cabeça pra baixo, inventado reino, npc, raça, tecnologia e o escanbau. Acho que a função do livro é estar ali pra suprir aquilo que o mestre não teve tempo de inventar. Então esses “novo-cataclisma-mágico-matador-de-deuses-destruidor-de-impérios-seguido-por-invasão-demoníaca” são função do mestre e de seu grupo e não da editora. O melhor cenário é aquele familiar e confortável próprio para as suas próprias idéias mirabolantes.

    ResponderExcluir
  6. "Só que normalmente esta complexidade excessiva é criada por evoluções temporais no cenário (arcos de histórias, eventos, etc) e raramente por simples descrição geográfica. E pior, os "cataclismos renovadores" quase nunca tornam o cenário mais simples, muito pelo contrário, costumam tornar tudo ainda mais confuso."

    Nota que meu comentário foi baseado em comentários de designers de rpgs e autores de quadrinhos. Dá uma olhada em alguns cenários que tendem a desenvolver muito uma quantidade limitada de elementos (como os clãs em L5R) e fica claro como depois do terceiro ou quarto livro falando de variações dos ninjas Escorpiões ou dos duelistas da Garça, uma quantidade de bagagem mecânica e descritiva grande se acumulou.
    Aliás, o pessoal da DC anda repetindo essa questão do acúmulo de bagagem várias vezes nos últimos tempos.
    Nota entretanto que não discordo que desenvolvimento de história também traz bagagem.

    ResponderExcluir
  7. @Kimble: Veja, não nego que há verdade no que você escreveu, de modo algum. Mas eu entendo que a realidade dos quadrinhos é bem diferente da dos RPGs. Nos quadrinhos é impossível não evoluir temporalmente, afinal precisa-se de uma nova história por mês, no mínimo!

    E realmente, além de evolução temporal do cenário, outra coisa que acontece com bastante frequencia e torna o cenário muito complexo, é a descrição de cada grupo e organização social do cenário. Por muitas vezes, em um nível de detalhamento totalmente desnecessário, praticamente não deixando nenhum lugar para o mestre criar seus próprios grupos e organizações para povoar o mundo.

    ResponderExcluir
  8. "Nos quadrinhos é impossível não evoluir temporalmente, afinal precisa-se de uma nova história por mês, no mínimo!"

    Assim como novos livros de região costumam trazer novos ganchos de aventuras, novos adversários, novas ameaças. Que aos poucos vão se acumulando, tornando a coisa cada vez mais complexa. O que muitas vezes causa uma sensação que em toda nova vila/cidade descrita, existe um grande mal prestes a destruir a região/reino/mundo ;)

    ResponderExcluir
  9. @Kimble: Ah, mas aí é que está a diferença. Ganchos de aventuras e ameaças locais não alteram o cenário como um todo, desde que sejam mantidos assim: como ganchos de aventuras ou uma característica local da região. Não gera impacto no cenário inteiro, alterando o status quo geral.

    Assim, caso alguém não vá utilizar aquela região específica, simplesmente não faz diferença saber o que tem lá, porque isso não vai influenciar nada no cenário. E se vai, adquire um livro e pronto, sabe o que precisa saber.

    O problema é criar "ganchos" que passam a ser canon e afetam o mundo inteiro alterando ele pra sempre, e aventuras que tornam-se história oficial com consequencias importantes não contando que nem todo mundo irá jogá-la.

    ResponderExcluir
  10. "Ah, mas aí é que está a diferença. Ganchos de aventuras e ameaças locais não alteram o cenário como um todo, desde que sejam mantidos assim: como ganchos de aventuras ou uma característica local da região. Não gera impacto no cenário inteiro, alterando o status quo geral."

    Mas isso pode gerar uma situação como já ocorreu com algumas versões de Forgotten e afastava fãs: parecia que a cada esquina, havia algum NPC poderoso, algum vilão querendo destruir o mundo, alguma coisa fora do comum. E cada novo NPC/ameaça/exotismo vai tornando a compreensão do cenário mais complexa.

    "Assim, caso alguém não vá utilizar aquela região específica, simplesmente não faz diferença saber o que tem lá, porque isso não vai influenciar nada no cenário. E se vai, adquire um livro e pronto, sabe o que precisa saber."

    E aí você cai na situação do antigo oWoD, onde para entender toda a complexidade do cenário, era obrigado a comprar uma pilha de suplementos. Que a cada novo lançamento, traziam mais um pedaço de alguma das diversas tramas que ocorriam.
    Claro, pode ser argumentado que os fãs não precisam conhecer todo o cenário, mas a maioria dos fãs gosta de acumular material dos seus cenários favoritos.

    Nota, entretanto, que eu concordo com teu raciocínio caso a editora faça cada local um semi-cenário independente, que não afeta nada além do cenário em si (e até ignora a existência do resto na maior parte). Entretanto, coisas assim são raras. E normalmente, produtos assim tem todos seus ganchos feitos para não afetar nada fora do cenário que descrevem, pq são feitos para serem independentes de cenários maiores. Como é o caso de Freeport, da Green Ronin. Ou como a WotC anda tentando fazer com alguns mini-cenários de PoL que tem lançado.

    Nesses casos, esses suplementos acabam funcionando como uma série de quebra-cabeças que podem ser interligados de acordo com o interesse do Mestre, permitindo controlar a complexidade dele.
    Ou seja, essa idéia já existe e ocasionalmente é praticada, só não é muito difundida (e sim, eu deveria ter comentado isso a mais tempo, mas só me lembrei dessa possibilidade quando revirava alguns livros hoje). Então acho que em parte, nós concordamos, não? ;)

    ResponderExcluir
  11. @Kimble: Não tenho dúvidas de que concordamos em vários pontos! Apenas divergimos em outros. ;)

    E sim, o cenário ideal do qual eu falo, isso é, um cenário estático no tempo, é uma idéia que existe em alguns mini-cenários, mas não em um mundo completo. Disso é que eu sinto falta. Um mundo em que o calendário oficial não avance, e portanto, as aventuras lançadas não sejam eventos canone do cenário, mas sim eventos opcionais.

    "Mas isso pode gerar uma situação como já ocorreu com algumas versões de Forgotten e afastava fãs: parecia que a cada esquina, havia algum NPC poderoso, algum vilão querendo destruir o mundo, alguma coisa fora do comum. E cada novo NPC/ameaça/exotismo vai tornando a compreensão do cenário mais complexa."

    Isso não é culpa de existir descrição de uma região com ameaças locais e ganchos, mas sim falta de noção do design, que cria super-NPCs e ameaças globais a cada canto. e desde que tais "ameaças" não evoluam temporalmente também, a compreensão do cenário não fica tão prejudicada.

    "E aí você cai na situação do antigo oWoD, onde para entender toda a complexidade do cenário, era obrigado a comprar uma pilha de suplementos. Que a cada novo lançamento, traziam mais um pedaço de alguma das diversas tramas que ocorriam."

    A diferença aqui é que o antigo WoD não era apenas um cenário, mas sim um cenário (o "mundo das trevas" em si) e um metaplot. Algumas pessaos esquecem que uma coisa é diferente da outra. Um cenário não precisa possuir um metaplot para funcionar ou ser interessante, pode ser apenas um mundo bem descrito, realmente um "cenário" literalmente falando, para os jogadores desenvolverem seus próprios plots e metaplots.
    E metaplot e história do cenário são coisas diversas: história é passado, o que aconteceu até aqui, algo necessário em um cenário; metaplot é algo que pode incluir ou não a história passada, mas é em essência algo que ainda acontece e que determina o que vai acontecer no futuro.

    ResponderExcluir

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...