segunda-feira, 25 de julho de 2011

Fontes de Inspiração: Drácula (Bram Stoker, 1897)

dracula_book_cover_1902_doubleday_89 Recentemente, o Brasil e o mundo encararam uma nova “vampiromania” (digo “nova” porque eu me lembro de quando foi lançado o filme Entrevista com o Vampiro), graças à série de filmes Crepúsculo. Esse ano parece que a coisa já está abrandando, mas ano passado estava a todo vapor. E eu devo confessar que não saí ileso dessa febre. Só que os meus vampiros são de um outro tipo, bem diferente.

Um livro que sempre tive vontade de ler, mas nunca havia lido, é Drácula. E graças a minha namorada que me deu o dito cujo de presente, ano passado pude colocar um fim a essa falha na minha cultura literária. O livro escrito por Bram Stoker em 1897 narra a vinda do vampiro Conde Drácula da Transilvânia para a Inglaterra, o horror que ele causa, e a caçada do vilão por Abraham Van Helsing novamente até o leste europeu. O interessante deste livro é, primeiro, a forma como é escrito; trata-se de um romance epistolar, isto é, ele é feito de forma a parecer uma junção de cartas, notícias de jornal, trechos de diários, telegramas, e outros fragmentos de texto, que juntos formam a história completa. Isso dá um estranho sentido de veracidade à narrativa. O segundo fator interessante é que, ainda que não seja a primeira obra sobre vampiros, é uma das que mais marcou o gênero.

No entanto, muitas das concepções “clássicas” que temos acerca de vampiros, e que muitas vezes pensamos ser derivada deste livro, na verdade são derivadas das diversas adaptações cinematográficas desta obra, principalmente do expressionista Nosferatu de 1922 e de Drácula de 1931.

Graças a isso, ler esse livro é muito interessante, pois mexe com várias das nossas concepções mais comuns sobre o vampiro, sem que isso no entanto seja fruto de criações em obras modernas (como vampiros que brilham ao Sol), mas sim estando presente no clássico dos clássicos sobre vampirismo.

Em Drácula, Bram Stoker nos apresenta um vampiro que é um gênio manipulador e terrível, um monstro sem nenhum sinal de humanidade. Conde Drácula é cínico e amoral, ditador, e sem nenhum vestígio de sentimentos nobres. No livro, não é seu amor por Mina que o traz à Inglaterra, mas sim o desejo da ampliação de sua área de caça. Ele usa Mina, e acaba por estabelecer uma forte ligação com ela, mas não se apaixona pela moça em momento algum. Drácula não é humano, é um morto vivo monstruoso, sem problemas de consciência ou conflito entre seu lado humano e seu lado monstro (afinal, não há mais nenhum lado humano).

O monstro também apresenta muitas características diferentes do senso comum: durante o dia, ele não “dorme”, mas sim entra em um estado de catatonia, onde apesar de paralisado ele pode estar ciente do que ocorre à sua volta. O livro descreve Drácula deitado em seu caixão de olhos abertos, completamente estático, parecendo morto, mas curiosamente, ele possui calor corpóreo e respira como um ser vivo, apesar de não o ser.

dracula Esse estado de paralisia diurna é comum aos vampiros, mas aqueles muito velhos são capazes de lutar contra ele e agir normalmente durante o dia. O próprio Conde é visto pelas personagens do livro em um parque em pleno dia em uma ocasião. E sim, isso implica que em Drácula vampiros não são afetados de forma alguma pela luz do Sol. Essa idéia do vampiro sendo morto pelo Sol possivelmente seja uma das heranças que o filme Nosferatu nos deixou.

As fraquezas de Drácula são em essência três: sua dependência por beber sangue humano, que o rejuvenesce e fortalece; a necessidade de dormir na terra de seu túmulo, de longe a maior de suas fraquezas; e sua suscetibilidade aos símbolos religiosos.

Ele também possui diversos poderes, como andar nas paredes, virar névoa, transformar-se em animais como morcego e lobo, controlar feras e animais daninhos (não se limitando apenas a lobos, morcegos e ratos, mas incluindo também aranhas, moscas, pulgas, etc), e muitas outras. Em um ponto do livro Van Helsing lista várias habilidades que um vampiro pode possuir, algumas muito estranhas para nosso conceito comum, como a habilidade de diminuir de tamanho para passar por espaços minúsculos.

Mas a habilidade mais interessante de Drácula talvez seja seu controle sobre a mente de suas vítimas. É verdade que na maior parte do tempo ele utiliza sua influência mental sobre pessoas mentalmente suscetíveis (como Reinfiled, paciente de um sanatório, e Lucy em seu estado de sonambulismo), mas parece ser capaz de fazê-lo facilmente sobre qualquer um de quem se alimenta. Sua influência também não se limita a um simples estado de comando temporário, muito pelo contrário. É quase um estado permanente, sendo capaz de controlar quando quiser aqueles a quem domou a mente. Mais do que isso, o vampiro cria uma ligação permanente com sua vítima e parece ser capaz de ver e ovir tudo aquilo que ela presencia. A ligação entre vampiro e vítima é tão forte que o inverso também acaba sendo possível, ainda que suas vítimas não tenham consciência disso (Van Helsing utiliza-se de hipnose em Mina para saber os passos do Conde).

Enfim, um livro muito interessante, cheio de boas idéias para tornar os vampiros de seus jogos um pouco mais desafiadores e surpreendentes para o seus jogadores, sem precisar fugir do esteriótipo clássico. E tudo isso mantendo o vampiro um monstro verdadeiro, e não meramente um humano que bebe sangue e com crise existencial.

5 comentários:

  1. Ótima resenha. A muito estou querendo comprar esse livro, mas não sabia se o conteúdo era só "fama" de best seller ou se a história era realmente boa.
    Pelo visto é leitura obrigatória para quem é fã do gênero.

    Valeu Igor!
    Abraço!

    ResponderExcluir
  2. Já li esse livro umas 3 vezes. É fantástico. Há uma razão para ser um clássico do terror. Gostaria apenas de fazer duas adições ao seu post:

    1 - Apesar de isso não ser foco na história, é mencionado no livro alguma relação do personagem com uma versão lendária do famoso Conde Drácula, o Empalador, sendo que Drácula seria um homem cruel e sem sentimentos, com a alma desviada de Deus, motivo pelo qual o monstro teria surgido. Daí sua conexão com símbolos religiosos cristãos. Percebe-se que a história, nesse caso busca mostrar como o próprio ser humano é a origem do monstro e do mal. Isso pode ser visto novamente em personagens como Reinfield, que mesmo sem ser um vampiro de verdade, busca a imortalidade através do consumo de outros seres vivos, evoluindo de forma a chegar até um mamífero (e teria, certamente, tentado matar humanos, se tivesse-lhe sido dado tempo para isso, o próprio doutor chega a temer essa evolução.).

    2 - Drácula pode andar na luz do sol (o que eu, e imagino que você também, estranhei quando li o livro inicialmente, mas achei muito interessante, especialmente numa campanha de horror, quebrando os paradigmas dos jogadores quanto a essa parte da lenda, causando estranhamento e medo - o dia, em que eles achavam que estavam seguros, deixa de ser seguro...), contudo, vale lembrar, Van Helsing menciona que o monstro fica mais fraco à luz do sol. Tanto é que ele é morto ao nascer do sol, em seu momento de fraqueza.

    Outro detalhe interessante é observar a relação do monstro com o território, uma coisa meio espiritual e animalesca. Ele PRECISA dormir no chão de sua terra e não pode cruzar a água corrente (os rios eram considerados formas de demarcar territórios na Idade Média). Além disso, ele não pode entrar numa casa sem a permissão do morador. Claro que, controlando sua mente, ele possui formas de forçá-lo a deixá-lo entrar, mas é interessante observar essa relação dele com o próprio território e o território alheio.

    Ainda assim, achei muito bom o seu post. E drácula é, sem dúvida, uma ótima fonte de inspiração.

    ResponderExcluir
  3. Excelente artigo. Continue mantendo o nível. Abraços.

    ResponderExcluir
  4. Muito obrigado a todos pelos elogios!

    @Komrad: você tem razão em tudo o que disse. No livro os vampiros são verdadeiros predadores, por isso tanta relação com território.

    E quanto à origem humana da maldade, acho que o único exemplo do livro que foge um pouco é a Lucy, que quando viva é uma moça doce e boa, mas torna-se um monstro que ataca crianças quando vampira.

    ResponderExcluir
  5. Verdade Igor. Aliás, a cena em que eles encontram a Lucy no cemitério me assustou mais que as cenas com o Drácula. O fato de uma pessoa tão doce virar um monstro tão horrendo na história é bastante assustador.

    ResponderExcluir

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...